Yasmina Reza

Felizes os felizes

Âyiné, 2023

Luc estava com o peito nu. Sorria para mim. Levantei meu vestido e tirei uma perna da meia-calça. Luc descalçou os sapatos. Tirei a outra perna da meia, fiz uma bolinha e joguei nele. Luc abriu a braguilha. Esperei um pouco. Ele exibiu seu sexo e de repente percebi que o sofá era azul-turquesa. Um azul-turquesa brilhoso sob a luz artificial de alcova, e pensei que, considerando todo o resto, era bastante surpreendente escolher um sofá daquela cor. Me perguntei quem nesse casal era o responsável pela decoração. Luc se esticou em uma posição lasciva que achei ao mesmo tempo sedutora e constrangedora.

Se é verdade, como Yasmina Reza faz dizer a um dos seus personagens, que “ser feliz é um talento”, os protagonistas deste romance parecem de fato não possuí-lo. E é justamente sobre estas formas diversas, bizarras, de infelicidade que parece sustentar-se a estrutura polifônica desta obra tão sutil e cativante.

Suspensas entre a tragicidade cotidiana típica de Reza e a sua surpreendente ironia, meio contos independentes, meio capítulos de um romance, meio fluxo de inconsciência interrompido, as histórias de Felizes os felizes demonstram o tempo todo – caso ainda fosse necessário – o irreverente talento de Reza.

E assim, mais uma vez, é no gesto de apenas trincar a sutil pátina da existência que ela se revela na sua mais banal, hilária e sombria tragicidade: quer se trate de uma simples ida ao supermercado, de uma bela atriz embriagada tomada por crise de ciúme, de velhinhas doentes e ainda sedutoras ou de um filho possuído por Celine Dion, isso não importa muito.

Neste romance de Yasmina Reza tudo está à beira de desabar e não desaba nunca, tudo está em equilíbrio e tudo corre perigo, como a tão ansiada felicidade.

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