Emmanuel Carrère

Ioga

Alfaguara, 2023

O amor é complicado para mim, como imagino que seja para todo mundo, mas não o sexo, que no fim das contas é o modo de relação humana no qual me sinto mais à vontade e causo melhor impressão. Não associo a ele nenhuma culpa, ele é um abrigo e não um abismo, não corrompe a minha alma. Não diria o mesmo das ruminações ligadas ao trabalho, ruminações que se mostram sob dois aspectos bastante diferentes, se estou ou não de fato comprometido com um trabalho. Se estou comprometido com um trabalho, se estou escrevendo um livro, se atingi na escrita uma velocidade de cruzeiro, então não penso em outra coisa além disso, faço frases, mais frases, mais frases, não há espaço para nenhuma outra coisa, esses devem ser ao lado do sexo os pontos mais altos da minha vida, quando penso que vale a pena existir sobre a terra. Quando não estou trabalhando, por outro lado, os pensamentos ligados ao trabalho me metem em mais lençóis, os das antecipações de sucesso, glória, importância, e esses pensamentos fazem brotar a culpa e até me humilham.

Ao longo dos anos, Emmanuel Carrère galgou o posto de um dos mais importantes escritores franceses da atualidade. Em 2015, já tendo se aprofundado nas práticas de meditação e ioga, decide passar dez dias num retiro de silêncio no interior da França, que ele mesmo chama de “nível hard”. Deixa para trás o celular e os livros, mas seu objetivo não é apenas meditar: contra as recomendações do retiro, ele leva consigo caneta e caderno, e pretende tomar notas para um “um livrinho simpático e perspicaz” sobre a ioga.

Quatro dias depois, entre sentimentos conflitantes sobre a meditação, é obrigado a abandonar o refúgio: um amigo foi morto no atentado ao Charlie Hebdo. Sua vida então vira do avesso. A cidade está em polvorosa, seu projeto de livro não avança, sua relação amorosa começa a ruir. Para completar, é diagnosticado com transtorno bipolar, e a própria escrita, que o salvou tantas vezes, agora parece difícil, sem perspectivas. E nós, leitores, seguimos seu périplo em busca de ― se não a iluminação anteriormente almejada ― pelo menos um pouco de paz.

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