O impacto da sinceridade

Rachel Cusk

revista Quatro Cinco Um, n. 71, jul. 2023

Ainda que ela não saiba disso, o seu isolamento — o único resultado tangível, na verdade, de sua excepcionalidade — é imenso. Essa excepcionalidade é o grande tema e o problema da obra de Annie Ernaux, o Outro com quem ela discute livro após livro, e que ora toma a forma da culpa e da vergonha, ora de uma liberdade selvagem e vertiginosa. A excepcionalidade se esforça o tempo todo para se conformar à normalidade, fazendo com que volta e meia ela se adapte a coisas que se contradizem e se chocam diretamente. Mais cedo ou mais tarde, a adaptação resulta em revolta: ela está presa e se liberta, cria e destrói e sobrevive, aprendendo e reaprendendo por esse caminho, árduo e muitas vezes desastroso, os elementos opostos da realidade interna e externa. A excepcionalidade dela não reside, na verdade, nas qualidades intelectuais, físicas ou morais. Trata-se da excepcionalidade da artista, da pessoa que vive para contar. 

Rachel Cusk narra seus encontros com Annie Ernaux em Paris e o impacto da sinceridade e dos afetos na obra da ganhadora do Nobel de literatura.

Perfil publicado na The New York Times Magazine em 5 de maio de 2023, com o título “Annie Ernaux Has Broken Every Taboo of What Women Are Allowed to Write”

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